VI. Haussmann ou as barricadas (parte I)

O principal fator responsável pelo processo de urbanização das cidades no século XIX é o rápido e gigantesco crescimento populacional.

“Acompanhada de uma súbita queda da mortalidade, essa evolução geral devida a melhores padrões nutritivos e a técnicas médicas aperfeiçoadas, deu origem a uma concentração urbana sem precedentes, primeiro na Inglaterra, depois, com diferentes taxas de crescimento, em todo o mundo em desenvolvimento.”. (Frampton, História crítica da arquitetura moderna, p.14)

Crescimento populacional de 1801 a 1901:
Londres: de 1 milhão para 6,5 milhões.
Manchester: de 75 mil para 600 mil.
Paris: de 500 mil para 3 milhões.
Na América, o crescimento foi ainda mais vertiginoso:
Nova York: de 33 mil para 500 mil em 1850, e 3,5 milhões em 1901.
Chicago: de 3 mil em 1833 para 30 mil em 1850, e 2 milhões em 1901.

Mas este crescimento desproporcional à estrutura da velha cidade leva a novos problemas sanitários: “Com um escoamento precário e uma manutenção inadequada, tais condições levavam à acumulação de excrementos e lixo e a inundações, o que provocava naturalmente uma alta incidência de doenças – primeiro a tuberculose, depois, ainda mais alarmante para as autoridades, os surtos de cólera na Inglaterra e na Europa Continental, nas décadas de 1830 e 1840.” (Frampton, p.14)

As obras de reconstrução da cidade de Paris pelo prefeito Barão Haussmann, entre 1853 e 1869, visavam a “corrigir” esta desproporção.

A necessidade de reconstrução da cidade não provém de uma discussão entre arquitetos – preocupados com o estilo a ser estabelecido para a nova arquitetura – mas das revoluções técnicas e higienistas (as primeiras leis sanitárias são o começo da legislação urbana).

A urbanística neoconservadora de Haussmann: “A urbanística desempenha um papel importante neste novo ciclo de reformas e transforma-se em um dos mais eficazes instrumentos de poder, especialmente na França.” (Benevolo, História da arquitetura moderna, p.92)

A reconstrução de Paris ocorre por motivos políticos (lutas pelo poder), econômicos (especulação imobiliária, transporte) e sociais (crescimento populacional, higienização).

Padronização urbanística e arquitetônica: proporção entre a altura da fachada e a largura da rua, uniformidade paisagística.

Etapas da haussmannização (1853-1869):

a) Obras viárias: urbanização da periferia, abertura de novas vias, reconstrução de edifícios ao longo do novo alinhamento.

b) Edificações públicas: escolas, hospitais, asilos, prisões, escritórios administrativos, bibliotecas, colégios, mercados, pontes e edifícios militares. A habitação torna-se uma questão de Estado; mas apesar de Luís Napoleão implantar o primeiro complexo de casas populares, esta medida não é suficiente diante da densidade populacional e da crescente especulação imobiliária, favorecida pelo império.

c) Higienização: fornecimento de água triplicado, rede hidráulica duplicada, rede de esgoto quadruplicada, com a instalação de depósitos coletores abaixo do Sena; rede de iluminação a gás triplicada; reordenação e monopolização do transporte público; novos cemitérios fora da cidade.

d) Administração: as Comunas ao redor de Paris são anexadas à cidade, dividindo a cidade em 20 arrondissements, com parte das funções administrativas descentralizadas.

“Com efeito, as obras públicas não fazem somente subir os preços dos terrenos circundantes, mas influem em toda a cidade, favorecendo seu crescimento e aumentando as rendas globais. Esses efeitos garantem por si sós ao administrador um aumento contínuo das entradas ordinárias, e permitem tomar de empréstimo somas vultuosas dos estabelecimentos bancários, como o faz qualquer empresa particular.” (Benevolo, p.102)

A renda per capta do cidadão francês duplica, passando de 2.500 para 5.000 francos, e a renda da cidade cresce dez vezes, de 20 para 200 milhões de francos. Mas isto não significa distribuição de renda. “Pode-se portanto afirmar que a própria cidade paga por sua reordenação.” (Benevolo, p.102)

Camille Pissarro, Boulevard Montmartre, 1897

Os bairros perdem sua fisionomia própria, sua individualidade, “enquanto que os espaços são qualificados muito mais pela multidão e pelos veículos que os percorrem, do que pelos edifícios circundantes, ou seja, de maneira sempre variável.” (Benevolo, p.110) Vide os quadros impressionistas de Monet e Pissarro dos boulevards.

Claude Monet, Boulevard des Capucines, 1873

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Sobre Francisco Freitas

Professor do CEFET-MG, mestre em Filosofia pela UFMG, doutorando em Filosofia na PUC-SP. Atualmente pesquisa a urbanização e a suburbanização, as migrações e o nomadismo contemporâneos.
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